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Os desdobramentos da investigação sobre a morte do menino Henry Borel, 4 anos, evidenciam cada vez mais um cenário em que a criança foi vítima de violência intrafamiliar grave. O crime, entretanto, está longe de ser um caso isolado. Na última década, mais de 100 mil crianças e adolescentes morreram vítimas de agressões – 2 mil delas tinham menos de 4 anos de idade. Os dados são da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Segundo a entidade, o isolamento social, que se tornou necessário em decorrência da pandemia de Covid-19, pode ter aumentado a incidência de violência doméstica e, consequentemente, o número de casos letais.
De 2010 a 2020,103.149 crianças e adolescentes foram mortos nesse contexto de agressão. Quando se observa a faixa etária de 0 a 9 anos, em 83% dos casos a agressão é intrafamiliar, na qual os agressores são pais e mães. Além disso, em mais de 60% dos casos, é na própria residência que a criança morre. Juntamente com os acidentes, as agressões representam a maior causa de morte a partir de um ano de idade até aos 19 anos. Apesar de os números chamarem a atenção, o presidente do Departamento Científico de Segurança da SBP, Marco Gama, indica que os dados são subnotificados.
“Tem uma grande subnotificação. Muitas vezes, é notado que a criança sofreu agressão quando chega morta. Mas, em outras vezes, essa criança chega em estado grave e é internada, por exemplo, com traumatismo craniano em decorrência de uma agressão. Depois, morre e não entra nessa estatística de vítimas da agressão”, explica. Em 2020, especificamente por causa da pandemia, os números deverão ser ainda mais subnotificados.
Sem opções de recorrer a outros ambientes, como as escolas, as crianças enfrentam mais dificuldade para denunciar. “Uma das coisas que ajudava na notificação era a escola, o contato com o colega, ir às consultas de rotina nos postos de saúde, nas quais é possível notar que a criança não está desenvolvendo. Então, isso tudo parou em função da pandemia, e essas crianças ficaram presas em casa na mão do agressor, e o jeito de pedir socorro ficou menor”, avalia Marco Gama.
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil foi, em 2020, uma das nações que mais sofreu com escolas fechadas. “Então, em 2020 a subnotificação foi maior porque, certamente, tivemos muito menos denúncias e, seguramente, os abusos foram muito maiores”, alerta o pediatra.
Marco Gama ressalta, no entanto, que esse quadro está longe de ser decorrência exclusiva da pandemia. “As situações de violência doméstica costumam ser casos crônicos, repetitivos, de violência progressiva”, contextualiza o especialista.
Por se tratar de um fenômeno social, a presidente da SBP, Luciana Rodrigues, defende uma ação abrangente. “O Brasil precisa estar preparado para, por meio da efetiva implementação das políticas de prevenção à violência na infância e na adolescência, garantir ações articuladas entre educação, saúde, segurança e assistência social”.
Segundo os especialistas, há sinais físicos e psicológicos que indicam a situação de violência. A médica pediatra Luci Yara Pfeiffer, única representante da América Latina no grupo de trabalho focado em desenvolvimento familiar ligado ao Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU), faz um apelo. “Todos que testemunham violências contra crianças, ou que tenham suspeita de que estejam sendo agredidos, seja física, seja psíquica, seja sexualmente, precisam notificar, tentar orientar, acompanhar e proteger. Elas dependem de todos nós para crescer em uma vida digna e saudável”.