Embora economistas apostem, predominantemente, na manutenção da Selic em 14,25% ao ano nesta quarta à noite, quando terminará a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), essa estabilidade não vai livrar o Brasil de um gasto recorde: as despesas com juros atingiram $ 484 bilhões em 12 meses em agosto, o equivalente a 8,45% do Produto Interno Bruto (PIB).
É um recorde mundial. Nem a Grécia, com uma megadívida, e, ainda por cima, insolvente, gasta tanto em proporção à sua economia. E há vários outros exemplos. Países europeus e o Japão, com débitos muito elevados, não enfrentam nem de longe o mesmo problema que o Brasil. "Esse gasto é escandaloso. É o dobro do que o governo dispendia há um ano", alertou o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito. "Não deveria ser assim", criticou o economista-chefe do Banco ABC, Luiz Otávio de Souza Leal.
Perfeito avaliou que, paradoxalmente, a despesa poderia ser menor caso o Copom tivesse elevado a Selic na reunião passada para 14,5% ao ano. "A longo prazo, a expectativa para os juros baixaria, porque essa elevação aumentaria a confiança de queda da inflação no próximo ano", explica. A Selic a 14,25% terá de ser mantida por um período mais longo, na avaliação de Perfeito, do que seria necessário caso tivesse sido levada há alguns meses a um patamar mais alto.
Vários economistas apontam, porém, para o tamanho do gasto do governo com juros como um grande obstáculo para o BC subir a Selic, ainda que julgue necessário. O problema é que isso aumentaria ainda mais o rombo fiscal, com o risco de deteriorar ainda mais as expectativas para a situação do país no próximo ano, em vez de melhorá-las.
Meta
No último relatório de inflação, a autoridade monetária admitiu que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá encerrar 2016 a 5,7%, bem acima, portanto, do centro da meta, de 4,5%. No ano passado, o BC se propôs a buscar o centro só no fim de 2016, exatamente para se livrar da obrigação de um choque monetário tão grande. Diante da clareza de que nem mesmo isso será mais possível, há informações de que o órgão estuda uma nova estratégia, que lhe dê novamente alívio diante da impossibilidade de fazer o que se propõe. Há chances de que uma indicação disso saia no comunicado de hoje da reunião do Copom. Oficialmente, o órgão não comenta o assunto.
Souza Leal, do ABC, alertou para o fato de que, embora indesejável, a taxa no patamar em que está não pode ser reduzida por uma decisão açodada. "Há quem argumente que seria uma solução levar a Selic para 10%, o que a igualaria à inflação, levando o juro real a zero. O problema é que isso faria o dólar aumentar muito, a inflação disparar e, no fim das contas, forçaria o BC a elevar ainda mais os juros à frente", explicou, ressaltando: "Se fosse tão fácil reduzir os juros na marra, isso já teria sido feito".
Para o economista, há três meses o mercado avaliava que o BC estava sendo conservador na política monetária. "Se, mesmo assim, a inflação não caiu, é porque o problema não está nessa área. Está nos gastos públicos. É por isso que se fala em dominância fiscal no processo que estamos vivendo", disse Souza Leal.
Para Perfeito, da Gradual, o impasse fiscal se deve à recessão, que prejudica os resultados de dois modos: reduz a arrecadação de tributos e, ao reduzir o PIB, faz com que todos os indicadores se deteriorem. Na avaliação dele, o governo adotou estratégias corretas ao mudar radicalmente a política econômica neste ano. O problema, disse, foi a crise política, que impediu a aprovação de várias das medidas propostas.
Raízes históricas
Souza Leal atribuiu o problema dos juros a razões históricas do país. "Isso ainda é um resquício da época em que convivíamos com uma inflação muito alta", disse. O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, também vê raízes muito antigas e profundas nesse e em outros problemas da economia brasileira, o que exigiria esforços muito maiores do que os que estão sendo implementados. "Nós não conseguimos desatar os nossos nós porque o horizonte político é muito curto, é de um mandato. Não é possível fazer mudanças estruturais em tão pouco tempo", afirmou.
"Tem coisas que precisam de uma geração para serem resolvidas, algo em torno de 25 anos. É o tempo que levou o Japão para resolver os problemas no pós-Guerra. Os Estados Unidos também resolveram várias questões com esforços em prazos longos", notou.
Fonte: DP