Em 2017, 13.982 pessoas passaram por situações parecidas, segundo levantamento do Ministério da Saúde. Quantidade ainda maior que os 12.261 casos relatados em 2016 ? ano em que 492 pessoas morreram por intoxicação de agrotóxicos, segundo os dados mais recentes da pasta. Esses são apenas os casos que foram notificados. O número pode ser 50 vezes maior, pelas estimativas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Significa dizer que, só no ano passado, quase 700 mil pessoas podem ter sido vítimas diretas do mau uso de agrotóxicos no Brasil, se forem tomados como base os números fornecidos pelo ministério.
Não é surpresa, para os especialistas, que o aumento de ocorrências de intoxicação acompanhe a ampliação do uso de pesticidas no país. Em 2017, 1,7 mil produtores utilizaram agrotóxicos, 20,4% a mais que em 2006, mostra o Censo Agro 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). ?Os médicos não estão preparados para diagnóstico de contaminação por agrotóxicos e, infelizmente, a saúde do trabalhador rural também não é um tema prioritário. Aumenta o uso e, consequentemente, aumenta a intoxicação?, diz o pesquisador Fernando Ferreira Carneiro, da Fiocruz no Ceará.
Apesar das graves consequências decorrentes do uso indiscriminado desse tipo de produto, o Brasil aparece em primeiro lugar no ranking do consumo de pesticidas, à frente dos Estados Unidos, segundo dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Todos os anos, cada brasileiro consome, em média, sete litros de agrotóxicos, aponta a associação. ?Esses produtos provocam câncer, problemas no sistema hormonal e reprodutivo humano e animal. Afetam com mais vigor as idades mais vulneráveis, como crianças, mulheres em idade fértil e idosos, além dos trabalhadores rurais?, alerta Guilherme Franco Netto, especialista em Saúde, Ambiente e Sustentabilidade da Fiocruz.
O problema é agravado pelo fato de que os pesticidas escolhidos pelos produtores brasileiros são os mais prejudiciais do mercado, segundo a ONG Pesticide Action Network International. De acordo com a organização, dos 10 agrotóxicos mais usados no Brasil em 2016, nove são considerados altamente perigosos. Quatro deles não estão autorizados para uso na Europa, por exemplo. Para Netto, há evidências suficientes de que os agrotóxicos provocam intoxicações agudas e crônicas, que não são impedidas nem pelo uso de equipamento de proteção, no caso dos trabalhadores rurais. ?Ele minimiza, mas não elimina o risco de envenenamento por contato?, explica o especialista.
Sem expectativas
As consequências, para os sobreviventes, são devastadoras. Andresa passa mal ao pegar sol, teve deslocamento de estômago por tanto vomitar e, agora desempregada, sequer tem acesso às consultas médicas que eram fornecidas pela empresa. ?A vida mudou. Não tenho mais a mesma saúde e tomo muito remédio. O médico diz que não sabe por quanto tempo vou continuar sentindo os sintomas?, lamenta. O amigo dela, Antônio Roberto de Oliveira Filho, 30, que também trabalhava na lavoura e ajudou a socorrê-la, sente dores de cabeça e toma medicamentos para dormir desde o episódio. ?Passo mal diariamente. No dia, tive coceira, garganta seca, boca dormente. Os olhos ardiam e deu grande falta de ar. Não sabemos qual foi o agrotóxico usado, mas devia ser um muito forte?, acredita.
A Pioneer Sementes, para quem Andresa e Antônio trabalhavam quando foram intoxicados, afirma que mantém o suporte aos trabalhadores que, eventualmente, apresentam alguma necessidade médica. Em nota, a empresa afirmou que, em abril, os funcionários assinaram um acordo e ?tiveram atendimento após a rescisão contratual, com a realização de exames quinzenais de acompanhamento no período de três meses?. Os resultados das avaliações médicas, entretanto, não confirmaram qual produto causou intoxicação, pois ?os exames de urina não foram feitos em tempo hábil para o diagnóstico?, segundo a Pioneer. Enquanto o caso corre na Justiça, Andresa, Antônio e as outras vítimas estão doentes, sem respostas e desempregados.